Precarização faz trabalhadores adoecidos não se afastarem por medo de demissão
- Brasil de Fato - Anelise Moreira
- 3 de mai. de 2019
- 8 min de leitura
Homens e mulheres que sofreram acidentes de trabalho contam suas dificuldades para terem direitos garantidos
Uma queda entre a cozinha e a lavanderia mudou a vida de Gertide Maria Lopes, que hoje se divide entre emprego, fisioterapias, consultas e exames. Por conta do acidente ocorrido no local de trabalho, em 2016, ela passou por três cirurgias nas duas pernas, tem três pinos e anda com dificuldade. “O médico pediu mais exames, porque sinto formigamento, queimação, coceira e não consigo ficar mais do que uma hora de pé. Eu sinto muitas dores, tomo remédio frequentemente. Tenho que fazer exames, porque estou com risco de trombose nas pernas”, lamenta. Gertide caiu no local onde trabalha como empregada doméstica há 19 anos em um apartamento luxuoso, de 200 metros quadrados, na região da Avenida Paulista. Com ambientes amplos e claros, o imóvel é habitado por uma pessoa. De origem pernambucana, Gertide exerce o cargo de governanta, e diz que os trabalhos vão desde a limpeza, compras no mercado até a organização de festas. Quando ela comunicou o acidente de trabalho, a patroa disse: "Logo agora que minha família ia passar alguns dias em casa?". A história de Gertide, de 58 anos, exemplifica a situação de milhares de trabalhadoras domésticas no país. A categoria é composta majoritariamente por mulheres, negras, mais velhas e com baixa escolaridade, segundo os últimos dados da Fundação Seade, especializada em estatísticas socioeconômicas e demográficas. Só quando Gertide procurou a Previdência Social, descobriu que o seguro não estava sendo pago: "A patroa disse que só fazia dois meses que não estava pagando, mas o INSS informou que era um ano e seis meses. Descobri que não estava assegurada e não pude receber o beneficio”. A governanta conta que passou necessidades básicas, pois não tinha dinheiro para pagar as contas e a medicação. "Eu não tinha luz, gás, nada, nem a medicação, e tinha que contar com a ajuda dos meus irmãos”, lembra. Gertide ficou afastada por dois anos e três meses, mas após o período período de afastamento pelo INSS passou três meses sem receber salário. A responsabilidade de comunicação do acidente de trabalho é do empregador, por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho. Esse documento garante que o trabalhador seja amparado financeiramente pelo auxílio-doença durante o período em que precisar ficar afastado do emprego para sua recuperação. O acidente de trabalho é caracterizado tecnicamente pela perícia médica do INSS.

Para a médica do trabalho Maria Maeno, devido à precarização do mercado de trabalho, o trabalhador está com cada vez mais dificuldades de se afastar para cuidados com a saúde. “Com vínculos curtos, menos estabilidade e precarização no mercado de trabalho, o trabalhador, mesmo sentindo dor ou adoecido, vai pensar muito mais para se afastar. No momento em que ele se afasta do trabalho, o risco de ser demitido aumenta. E isso aumenta também o presenteísmo, que é quando a pessoa trabalha mesmo adoecida, mas não tem produtividade por conta do estado de saúde”, ressalta. O maior acidente de trabalho do Brasil O crime socioambiental de Brumadinho (MG), em janeiro de 2019, chocou o mundo. A tragédia ocorrida há três meses foi considerada o maior acidente de trabalho do país e o segundo maior do mundo. O número de vítimas fatais em Brumadinho chegou a 233, e cerca de 37 corpos seguem debaixo da lama tóxica, segundo a Defesa Civil de Minas Gerais. “Eu fazia planos, agora não faço mais. Eu vivo o agora, não vou viver o amanhã mais. Tiraram meu direito de sonhar. Não só meu, mas de muitas pessoas”, lamenta Luiz Sávio Castro, terceirizado da Vale como armador de ferragem e afastado pelo INSS. Aos 60 anos, Luiz é um dos trabalhadores sobreviventes de Brumadinho e hoje toma calmantes todos os dias, pois sofre com insônia, ansiedade e melancolia após a tragédia. “Transporte de ida e volta para consultas médicas estão dando [a mineradora Vale]. Remédios, foi negado, como é o caso de um que tomo que custa R$ 80,00 e disseram que eu podia pagar. A Vale até agora não me procurou para nada. Sou eu que tenho que ir atrás, mas eles me humilham. A gente fica indignado.” O trabalhador ressalta que é preciso que a Vale entenda que depois da tragédia “ela [Vale] precisa ter respeito, igualdade com todos os funcionários e terceirizados e que assuma o erro com dignidade, respeito e não fique só na embromação”. O setor mineral mata mais que os demais setores de atividades. É o que afirma Mário Parreiras de Faria, auditor-fiscal do trabalho e coordenador da Comissão Nacional Permanente do Setor Minerário. “A indústria extrativa mineral é um setor que tem muitos acidentes de trabalho. As estatísticas mostram que em 2017 a taxa de mortalidade de trabalhadores nessa área foi superior às outras em 2,6%”, conta. “Ela também tem uma gama de fatores de risco que o tornam um motivo de preocupação para a auditoria, como exposição a ruídos e poeira, trabalho físico intenso, equipamentos pesados.” Para ele é essencial que se invista em fiscalização para se reduzir o número de acidentes. “Em Minas Gerais, temos apenas 230 auditores de fiscalização externa direta para os 863 municípios do estado. Ou seja, um número muito pequeno para o tamanho da demanda”, completa. Área da saúde tem recorde de adoecimentos De acordo com Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, o Brasil registrou, de 2012 a 2018, 4,5 milhões de acidentes de trabalho. Desses, quase 18 mil foram fatais. Estima-se que ocorra um acidente a cada 49 segundos. A plataforma é desenvolvida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Trabalhadores do setor de saúde têm a maior quantidade de ocorrências registradas, cerca de 10% dos casos. As ocupações que possuem o maior número de registros predominam entre alimentadores de linha de produção com 5,5%, técnicos de enfermagem 5%, faxineiros 3,2%, serventes de obras 2,8% e motoristas de caminhão 2,4%. Samira Alves* tem 48 anos e é servidora de um hospital público na zona leste de São Paulo (SP). Ela está afastada há cinco meses, pois sofreu perseguição e assédio moral no ambiente de trabalho. "Lá [no hospital] eles não veem a doença. Principalmente as doenças psicossomáticas são consideradas ‘frescura’. Alguns não conhecem as doenças mentais ou não têm essa compreensão sobre o adoecimento do trabalhador", ressalta a trabalhadora. A área em que Samira atua lidera as atividades econômicas que mais registram acidentes de trabalho em São Paulo, que é atendimento hospitalar. “O trabalhador que está doente física ou psiquicamente e precisa se manter em um trabalho onde se cobram metas e com condições precárias de trabalho tem a sua saúde ainda mais afetada. Vejo até enfermeiras estressadas, gritando com paciente, mas porque ela está doente, por conta de toda a pressão”, relata Samira.
